sexta-feira, 18 de junho de 2010

Igreja Católica em Portugal lamenta morte de Saramago.



A Igreja Católica em Portugal lamentou nesta sexta-feira (18) a morte de José Saramago. O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa, Padre José Tolentino, e o porta-voz da conferência, Padre Manuel Morujão, disseram que o país perde um "expoente" e que a igreja perde um crítico com o qual soube dialogar constantemente. "Seja como for, o diálogo nunca foi cortado e sempre foi possível", disse padre Manuel Morujão.

A relação entre a hierarquia católica e o escritor foi marcada por momentos de debates públicos e declarações polêmicas, motivados pela crítica ferrenha de Saramago à instituição e pela abordagem de temas bíblicos em obras como "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de 1991, e "Caim", de 2009.

As últimas arestas entre católicos e o escritor foram aparadas no lançamento de Caim, obra na qual Saramago faz uma crítica à Bíblia e à visão de Deus expressa no Antigo Testamento. Na época do lançamento, padre Jose Tolentino participou de um debate com o escritor.

Para ele, as declarações críticas de Saramago à Bíblia foram "muito mais radicais que o livro". Em seus comentários sobre o romance, Saramago disse que o Deus da Bíblia era pessoal e vingativo. "Sem a Bíblia, seríamos outras pessoas, seguramente melhores", afirmou o escritor.

O padre, que é professor de exegêse bíblica, poeta e ensaista, diz que em "O Evangelho Segundo Jeus Cristo" o escritor manteve diálogo maior com os temas religiosos do que na útlima obra. "Ele olha para Jesus, nem tanto como uma chave para o divino, mas como uma chave para o humano. Nesse sentido, para um teólogo, Saramago é um autor incômodo e fascinante", resume. O professor ressaltou ainda que não há nenhum outro escritor que toma a Bíblia de forma tão sistemática.

"Saramago estava apaixonado pelo texto bíblico. Seu estilo tem uma musicalidade bíblica." O padre diz que fez essa afirmação para o escritor durante a conversa e que ele acenou com um sorriso de concordância. “Ele é talvez o mais bíblico dos grandes autores contemporâneos e, ao mesmo tempo, o mais antibíblico”, afirmou.

Sem dúvida, a acusação que Saramago faz ao cristianismo é muito mais ao institucional, ao poder histórico, do que propriamente ao cristianimo messiânico de Jesus de Nazaré"
Padre José Tolentino, diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa

Hierarquia
Para padre José Tolentino, foram mais pesadas as críticas do escritor à hierarquia. "Sem dúvida, a acusação que Saramago faz ao cristianismo é muito mais ao institucional, ao poder histórico do que propriamente ao cristianimo messiânico de Jesus de Nazaré", disse. Entre outras observações mais contundentes, Saramago chegou a chamar o Papa Bento XVI de "cínico" e disse que a "insolência reacionária" da Igreja precisa ser combatida com a "insolência da inteligência viva".

"Do meu ponto de vista, o discurso dele está em uma certa fronteira em relação à intolerância cultural. (...) Tinha dificuldade de dizer as coisas boas (da igreja)", disse padre José Tolentino.

Para o porta-voz da conferência, que chegou a afirmar à época que o lançamento de Caim era "operação de publicidade", Saramago errou ao tomar a Bíblia em sentido literal. "“É um escrito datado. A Bíblia foi escrita durante mil anos, não foi escrita há 15 anos. Sem colocar a Bíblia no seu tempo e na sua cultura, é evidente que se interpreta de maneira que não é verdade”, disse padre Manuel Morujão.

"Naturalmente, o que cada um escreve tem a ver com sua própria vida, sua experiência de Deus, da fé e da igreja. Não foi uma experiência muito positiva e isso vai nos seus livros”, disse o porta-voz.

Padre Manuel Morujão acredita em um desfecho piedoso para a relação de Saramago com a religiosidade. “Penso que Deus, ao encontrá-lo na eternidade, terá havido alguma surpresa: ‘como o senhor tem a coragem de me dar um abraço se o critiquei tanto?’”, imagina o padre, referindo-se a quais seriam as palavras de Saramago. No suposto diálogo, na visão do padre, Deus responderá: “você criticou outro, não o Deus do amor e dar misericórdia.”

Nota da Igreja de Portugal

VOTO DE PESAR PELA MORTE DE JOSÉ SARAMAGO

O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura expressa o seu pesar na morte de José Saramago, grande criador da língua portuguesa e expoente da nossa cultura. José Saramago ampliou o inestimável património que a literatura representa, capaz de espelhar profundamente a condição humana nas suas buscas, incertezas e vislumbres.

Como é público, o cristianismo e o texto bíblico interessaram muito ao autor como objecto para a sua livre recriação literária. Há uma exigência e beleza nessa aproximação que gostaríamos de sublinhar. O único lamento é que ela nem sempre fosse levada mais longe, e de forma mais desprendida de balizamentos ideológicos. Mas a vivacidade do debate que a sua importante obra instaura, em nada diminui o dever da cordialidade de um encontro cultural que, acreditamos, só pode ser gerado na abertura e na diferença.

Lisboa, 18 de Junho de 2010

FONTE: G1

Um comentário:

  1. bom sinceramente eu como um catolito não lamento a igreja perdeu somente um inimigo, alguem se dizia ateu, mais na verdade era um anti-catolico, ele não tinha problema com Deus o seu problema era com a igreja catolica. Agora na parte da cultura a gente lamenta a perda de um grande escritor, poeta e etc...acho que agora ele vai perceber diante de Deus as coisas que ele fez aqui na terra e vê como estava errado..

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