terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE PAPA BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2011

«Sepultados com Ele no baptismo, foi também com Ele que ressuscitastes» (cf. Cl 2, 12)

Amados irmãos e irmãs!

A Quaresma, que nos conduz à celebração da Santa Páscoa, é para a Igreja um tempo litúrgico muito precioso e importante, em vista do qual me sinto feliz por dirigir uma palavra específica para que seja vivido com o devido empenho. Enquanto olha para o encontro definitivo com o seu Esposo na Páscoa eterna, a Comunidade eclesial, assídua na oração e na caridade laboriosa, intensifica o seu caminho de purificação no espírito, para haurir com mais abundância do Mistério da redenção a vida nova em Cristo Senhor (cf. Prefácio I de Quaresma).

1. Esta mesma vida já nos foi transmitida no dia do nosso Baptismo, quando, «tendo-nos tornado partícipes da morte e ressurreição de Cristo» iniciou para nós «a aventura jubilosa e exaltante do discípulo» (Homilia na Festa do Baptismo do Senhor, 10 de Janeiro de 2010). São Paulo, nas suas Cartas, insiste repetidas vezes sobre a singular comunhão com o Filho de Deus realizada neste lavacro. O facto que na maioria dos casos o Baptismo se recebe quando somos crianças põe em evidência que se trata de um dom de Deus: ninguém merece a vida eterna com as próprias forças. A misericórdia de Deus, que lava do pecado e permite viver na própria existência «os mesmos sentimentos de Jesus Cristo» (Fl 2, 5), é comunicada gratuitamente ao homem.

O Apóstolo dos gentios, na Carta aos Filipenses, expressa o sentido da transformação que se realiza com a participação na morte e ressurreição de Cristo, indicando a meta: que assim eu possa «conhecê-Lo, a Ele, à força da sua Ressurreição e à comunhão nos Seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos» (Fl 3, 1011). O Baptismo, portanto, não é um rito do passado, mas o encontro com Cristo que informa toda a existência do baptizado, doa-lhe a vida divina e chama-o a uma conversão sincera, iniciada e apoiada pela Graça, que o leve a alcançar a estatura adulta de Cristo.

Um vínculo particular liga o Baptismo com a Quaresma como momento favorável para experimentar a Graça que salva. Os Padres do Concílio Vaticano II convidaram todos os Pastores da Igreja a utilizar «mais abundantemente os elementos baptismais próprios da liturgia quaresmal» (Const. Sacrosanctum Concilium, 109). De facto, desde sempre a Igreja associa a Vigília Pascal à celebração do Baptismo: neste Sacramento realiza-se aquele grande mistério pelo qual o homem morre para o pecado, é tornado partícipe da vida nova em Cristo Ressuscitado e recebe o mesmo Espírito de Deus que ressuscitou Jesus dos mortos (cf. Rm 8, 11). Este dom gratuito deve ser reavivado sempre em cada um de nós e a Quaresma oferece-nos um percurso análogo ao catecumenato, que para os cristãos da Igreja antiga, assim como também para os catecúmenos de hoje, é uma escola insubstituível de fé e de vida cristã: deveras eles vivem o Baptismo como um acto decisivo para toda a sua existência.

2. Para empreender seriamente o caminho rumo à Páscoa e nos prepararmos para celebrar a Ressurreição do Senhor – a festa mais jubilosa e solene de todo o Ano litúrgico – o que pode haver de mais adequado do que deixar-nos conduzir pela Palavra de Deus? Por isso a Igreja, nos textos evangélicos dos domingos de Quaresma, guia-nos para um encontro particularmente intenso com o Senhor, fazendo-nos repercorrer as etapas do caminho da iniciação cristã: para os catecúmenos, na perspectiva de receber o Sacramento do renascimento, para quem é baptizado, em vista de novos e decisivos passos no seguimento de Cristo e na doação total a Ele.

O primeiro domingo do itinerário quaresmal evidencia a nossa condição do homens nesta terra. O combate vitorioso contra as tentações, que dá início à missão de Jesus, é um convite a tomar consciência da própria fragilidade para acolher a Graça que liberta do pecado e infunde nova força em Cristo, caminho, verdade e vida (cf. Ordo Initiationis Christianae Adultorum, n. 25). É uma clara chamada a recordar como a fé cristã implica, a exemplo de Jesus e em união com Ele, uma luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso» (Ef 6, 12), no qual o diabo é activo e não se cansa, nem sequer hoje, de tentar o homem que deseja aproximar-se do Senhor: Cristo disso sai vitorioso, para abrir também o nosso coração à esperança e guiar-nos na vitória às seduções do mal.

O Evangelho da Transfiguração do Senhor põe diante dos nossos olhos a glória de Cristo, que antecipa a ressurreição e que anuncia a divinização do homem. A comunidade cristã toma consciência de ser conduzida, como os apóstolos Pedro, Tiago e João, «em particular, a um alto monte» (Mt 17, 1), para acolher de novo em Cristo, como filhos no Filho, o dom da Graça deDeus: «Este é o Meu Filho muito amado: n’Ele pus todo o Meu enlevo. Escutai-O» (v. 5). É o convite a distanciar-se dos boatos da vida quotidiana para se imergir na presença de Deus: Ele quer transmitir-nos, todos os dias, uma Palavra que penetra nas profundezas do nosso espírito, onde discerne o bem e o mal (cf. Hb 4, 12) e reforça a vontade de seguir o Senhor.

O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna» (v. 14): é o dom do espírito Santo, que faz dos cristãos «verdadeiros adoradores» capazes de rezar ao Pai «em espírito e verdade» (v. 23). Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, «enquanto não repousar em Deus», segundo as célebres palavras de Santo Agostinho.

O domingo do cego de nascença apresenta Cristo como luz do mundo. O Evangelho interpela cada um de nós: «Tu crês no Filho do Homem?». «Creio, Senhor» (Jo 9, 35.38), afirma com alegria o cego de nascença, fazendo-se voz de todos os crentes. O milagre da cura é o sinal que Cristo, juntamente com a vista, quer abrir o nosso olhar interior, para que a nossa fé se torne cada vez mais profunda e possamos reconhecer n’Ele o nosso único Salvador. Ele ilumina todas as obscuridades da vida e leva o homem a viver como «filho da luz».

Quando, no quinto domingo, nos é proclamada a ressurreição de Lázaro, somos postos diante do último mistério da nossa existência: «Eu sou a ressurreição e a vida... Crês tu isto?» (Jo 11, 25-26). Para a comunidade cristã é o momento de depor com sinceridade, juntamente com Marta, toda a esperança em Jesus de Nazaré: «Sim, Senhor, creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo» (v. 27). A comunhão com Cristo nesta vida prepara-nos para superar o limite da morte, para viver sem fim n’Ele. A fé na ressurreição dos mortos e a esperança da vida eterna abrem o nosso olhar para o sentido derradeiro da nossa existência: Deus criou o homem para a ressurreição e para a vida, e esta verdade doa a dimensão autêntica e definitiva à história dos homens, à sua existência pessoal e ao seu viver social, à cultura, à política, à economia. Privado da luz da fé todo o universo acaba por se fechar num sepulcro sem futuro, sem esperança.

O percurso quaresmal encontra o seu cumprimento no Tríduo Pascal, particularmente na Grande Vigília na Noite Santa: renovando as promessas baptismais, reafirmamos que Cristo é o Senhor da nossa vida, daquela vida que Deus nos comunicou quando renascemos «da água e do Espírito Santo», e reconfirmamos o nosso firme compromisso em corresponder à acção da Graça para sermos seus discípulos.

3. O nosso imergir-nos na morte e ressurreição de Cristo através do Sacramento do Baptismo, estimula-nos todos os dias a libertar o nosso coração das coisas materiais, de um vínculo egoísta com a «terra», que nos empobrece e nos impede de estar disponíveis e abertos a Deus e ao próximo. Em Cristo, Deus revelou-se como Amor (cf 1 Jo 4, 7-10). A Cruz de Cristo, a «palavra da Cruz» manifesta o poder salvífico de Deus (cf. 1 Cor 1, 18), que se doa para elevar o homem e dar-lhe a salvação: amor na sua forma mais radical (cf. Enc. Deus caritas est, 12). Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões do empenho de conversão, a Quaresma educa para viver de modo cada vez mais radical o amor de Cristo. O Jejum, que pode ter diversas motivações, adquire para o cristão um significado profundamente religioso: tornando mais pobre a nossa mesa aprendemos a superar o egoísmo para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso «eu», para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos. Para o cristão o jejum nada tem de intimista, mas abre em maior medida para Deus e para as necessidades dos homens, e faz com que o amor a Deus seja também amor ao próximo (cf. Mc 12, 31).

No nosso caminho encontramo-nos perante a tentação do ter, da avidez do dinheiro, que insidia a primazia de Deus na nossa vida. A cupidez da posse provoca violência, prevaricação e morte: por isso a Igreja, especialmente no tempo quaresmal, convida à prática da esmola, ou seja, à capacidade de partilha. A idolatria dos bens, ao contrário, não só afasta do outro, mas despoja o homem, torna-o infeliz, engana-o, ilude-o sem realizar aquilo que promete, porque coloca as coisas materiais no lugar de Deus, única fonte da vida. Como compreender a bondade paterna de Deus se o coração está cheio de si e dos próprios projectos, com os quais nos iludimos de poder garantir o futuro? A tentação é a de pensar, como o rico da parábola: «Alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos...». «Insensato! Nesta mesma noite, pedir-te-ão a tua alma...» (Lc 12, 19-20). A prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à atenção para com o próximo, para redescobrir o nosso Pai bom e receber a sua misericórdia.

Em todo o período quaresmal, a Igreja oferece-nos com particular abundância a Palavra de Deus. Meditando-a e interiorizando-a para a viver quotidianamente, aprendemos uma forma preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciámos no dia do Baptismo. A oração permitenos também adquirir uma nova concepção do tempo: de facto, sem a perspectiva da eternidade e da transcendência ele cadencia simplesmente os nossos passos rumo a um horizonte que não tem futuro. Ao contrário, na oração encontramos tempo para Deus, para conhecer que «as suas palavras não passarão» (cf. Mc 13, 31), para entrar naquela comunhão íntima com Ele «que ninguém nos poderá tirar» (cf. Jo 16, 22) e que nos abre à esperança que não desilude, à vida eterna.

Em síntese, o itinerário quaresmal, no qual somos convidados a contemplar o Mistério da Cruz, é «fazer-se conformes com a morte de Cristo» (Fl 3, 10), para realizar uma conversão profunda da nossa vida: deixar-se transformar pela acção do Espírito Santo, como São Paulo no caminho de Damasco; orientar com decisão a nossa existência segundo a vontade de Deus; libertar-nos do nosso egoísmo, superando o instinto de domínio sobre os outros e abrindo-nos à caridade de Cristo. O período quaresmal é momento favorável para reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo.

Queridos irmãos e irmãs, mediante o encontro pessoal com o nosso Redentor e através do jejum, da esmola e da oração, o caminho de conversão rumo à Páscoa leva-nos a redescobrir o nosso Baptismo. Renovemos nesta Quaresma o acolhimento da Graça que Deus nos concedeu naquele momento, para que ilumine e guie todas as nossas acções. Tudo o que o Sacramento significa e realiza, somos chamados a vivê-lo todos os dias num seguimento de Cristo cada vez mais generoso e autêntico. Neste nosso itinerário, confiemo-nos à Virgem Maria, que gerou o Verbo de Deus na fé e na carne, para nos imergir como ela na morte e ressurreição do seu Filho Jesus e ter a vida eterna.

Vaticano, 4 de Novembro de 2010


NOTA DA CNBB SOBRE ÉTICA E PROGRAMAS DE TV



Têm chegado à CNBB diversos pedidos de uma manifestação a respeito do baixo nível moral que se verifica em alguns programas das emissoras de televisão, particularmente naqueles denominados Reality Shows, que têm o lucro como seu principal objetivo.
Nós, bispos do Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP), reunidos em Brasília, de 15 a 17 de fevereiro de 2011, compreendendo a gravidade do problema e em atenção a esses pedidos, acolhendo o clamor de pessoas, famílias e organizações, vimos nos manifestar a respeito.
Destacamos primeiramente o papel desempenhado pela TV em nosso País e os importantes serviços por ela prestados à Sociedade. Nesse sentido, muitos programas têm sido objeto de reconhecimento explícito por parte da Igreja com a concessão do Prêmio Clara de Assis para a Televisão, atribuído anualmente.
Lamentamos, entretanto, que esses serviços, prestados com apurada qualidade técnica e inegável valor cultural e moral, sejam ofuscados por alguns programas, entre os quais os chamados reality shows, que atentam contra a dignidade de pessoa humana, tanto de seus participantes, fascinados por um prêmio em dinheiro ou por fugaz celebridade, quanto do público receptor que é a família brasileira.
Cônscios de nossa missão e responsabilidade evangelizadoras, exortamos a todos no sentido de se buscar um esforço comum pela superação desse mal na sociedade, sempre no respeito à legítima liberdade de expressão, que não assegura a ninguém o direito de agressão impune aos valores morais que sustentam a Sociedade.
Dirigimo-nos, antes de tudo, às emissoras de televisão, sugerindo-lhes uma reflexão mais profunda sobre seu papel e seus limites, na vida social, tendo por parâmetro o sentido da concessão que lhes é dada pelo Estado.
Ao Ministério Público pedimos uma atenção mais acurada no acompanhamento e adequadas providências em relação à programação televisiva, identificando os evidentes malefícios que ela traz em desrespeito aos princípios basilares da Constituição Federal (Art. 1º, II e III).
Aos pais, mães e educadores, atentos a sua responsabilidade na formação moral dos filhos e alunos, sugerimos que busquem através do diálogo formar neles o senso crítico indispensável e capaz de protegê-los contra essa exploração abusiva e imoral.
Por fim, dirigimo-nos também aos anunciantes e agentes publicitários, alertando-os sobre o significado da associação de suas marcas a esse processo de degradação dos valores da sociedade.
Rogamos a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, luz e proteção a todos os profissionais e empresários da comunicação, para que, usando esses maravilhosos meios, possamos juntos construir uma sociedade mais justa e humana.

Brasília, 17 de fevereiro de 2011

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CARTA ENCÍCLICA DO PAPA PIO XII MEDIATOR DEI

Aqui a IV parte da Carta Encíclica do Papa Pio XII onde fala da honra de Adorar Jesus presente no Augustíssimo Sacramento do altar. Um documento de 1947 onde mostra a falta de baseamento dos que defendem que a eucaristia é para ser comida (o que de fato é) não adorada. Claro que Jesus eucarístico é fonte de vida alimento da alma, mas antes disso ele é Deus, e todo joelho deve se dobrar no céu, na terra e nos abismos. ______________________________________________________________

IV. Adoração da eucaristia

115. Contém o alimento eucarístico, como todos sabem, "verdadeira, real e substancialmente o corpo e o sangue junto com a alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo"; (122) não é de admirar, pois, se a Igreja, desde as origens adorou o corpo de Cristo sob as espécies eucarísticas, como se vê dos ritos mesmos do augusto sacrifício, com os quais se prescreve aos sagrados ministros que adorem o santíssimo sacramento com genuflexões e inclinações profundas.

116. Os sagrados concílios ensinam que, desde o início de sua vida, foi transmitido à Igreja que se deve honrar "com uma única adoração o Verbo Deus encarnado e a sua própria carne" (123); e santo Agostinho afirma: "Ninguém come esta carne sem tê-la primeiro adorado", acrescentando que não só não pecamos adorando, antes pecamos não adorando.(124)

117. Desses princípios doutrinários nasceu e se foi pouco a pouco desenvolvendo o culto eucarístico da adoração, distinto do santo sacrifício. A conservação das sagradas espécies para os enfermos e para todos os que viessem a encontrar-se em perigo de morte, introduziu o louvável uso de adorar este alimento celeste conservado nas igrejas. Esse culto de adoração tem um válido e sólido motivo. A eucaristia, de fato, é sacrifício e é, também, sacramento; e difere dos outros sacramentos enquanto não só produz a graça, mas ainda contém de modo permanente o próprio autor da graça. Quando, por isso, a Igreja nos manda adorar a Cristo sob os véus eucarísticos e suplicar-lhe os dons sobrenaturais e terrenos de que temos sempre necessidade, manifesta a fé viva com a qual crê presente sob aqueles véus o seu Esposo divino, manifesta-lhe o seu reconhecimento e goza da sua íntima familiaridade.

118. Nesse culto, a Igreja, no decurso dos tempos, introduziu várias formas cada dia certamente mais belas e salutares, como, por exemplo: devotas e mesmo cotidianas visitas ao divino tabernáculo; bênção do santíssimo sacramento; procissões solenes por vilas e cidades, especialmente por ocasião dos congressos eucarísticos, e adoração do augusto sacramento publicamente exposto, as quais algumas vezes duram pouco e outras vezes se prolongam por horas inteiras e até, por quarenta horas; em alguns lugares são estabelecidas durante o ano todo, por turnos, em cada Igreja; em outros lugares se continuam de dia e de noite ao cuidado de comunidades religiosas e nelas freqüentemente tomam parte também os fiéis.

119. Esses exercícios de devoção contribuíram de modo admirável para a fé e a vida sobrenatural da Igreja militante na terra, a qual, assim fazendo, se torna, de certo modo, eco da Igreja triunfante que eternamente canta o hino de louvor a Deus e ao Cordeiro "que foi imolado".(125) Por isso, a Igreja não só aprovou mas fez seus e confirmou com a sua autoridade estes exercícios devotos propagados em toda a parte no correr dos séculos.(126) Eles fluem do espírito da sagrada liturgia; e por isso, desde que sejam cumpridos com o decoro, a fé e a devoção requeridas pelos sagrados ritos e pelas prescrições da Igreja, certamente ajudam muitíssimo a viver a vida litúrgica.

120. Nem se diga que tal culto eucarístico provoca uma errônea confusão entre o Cristo histórico, como dizem, que viveu na terra, o Cristo presente no augusto sacramento do altar, e o Cristo triunfante no céu e dispensador de graças; deve-se, pelo contrário, afirmar que, desse modo, os fiéis testemunham e manifestam solenemente a fé da Igreja, com a qual se crê que um e idêntico é o Verbo de Deus e o Filho de Maria virgem, que sofreu na cruz, que está presente e oculto na eucaristia, e que reina no céu. Assim afirma são João Crisóstomo: "Quando vês a ti; apresentado (o corpo de Cristo) dize a ti mesmo: por este corpo não sou mais terra e pó, não mais escravo, porém livre: por isso, espero alcançar o céu e os bens que aí se encontram, a vida imortal, a herança dos anjos, a companhia de Cristo; este corpo transpassado pelos cravos, dilacerado pelos açoites, não foi presa da morte... Este é aquele corpo que foi ensangüentado, transpassado pela lança, do qual brotaram duas fontes salutares: uma de sangue, outra de água... Este corpo foi-nos dado para o possuir e para o comer, e isso foi conseqüência de intenso amor".(127)

121. De modo particular, ademais, é muito de louvar-se o costume segundo o qual muitos exercícios de piedade entrados no uso do povo cristão, se encerram com o rito da bênção eucarística. Nada melhor nem mais vantajoso que o gesto com o qual o sacerdote, levantando ao céu o pão dos anjos, em presença da multidão cristã ajoelhada, e movendo-o em forma de cruz, invoca o Pai Celeste para que se digne volver benignamente os olhos a seu Filho crucificado por nosso amor, e, graças a ele, que quis ser nosso Redentor e irmão, difunda por sua intervenção, os seus dons celestes sobre os remidos pelo sangue imaculado do Cordeiro.(128)

122. Procurai, pois, veneráveis irmãos, com a vossa habitual e grande diligência, que os templos edificados pela fé e pela piedade das gerações cristãs no decurso dos séculos como um perene hino de glória a Deus onipotente e como digna habitação do nosso Redentor oculto sob as espécies eucarísticas, sejam o mais possível abertos aos sempre mais numerosos fiéis, para que eles, recolhidos aos pés de nosso Salvador, ouçam o seu dulcíssimo convite: "Vinde a mim, vós todos que estais atribulados e oprimidos, e eu vos aliviarei".(129) Os templos sejam em verdade a casa de Deus, na qual quem entra para pedir favores se alegre de tudo conseguir (130) e alcance a consolação celeste.

123. Somente assim poderá acontecer que toda a família humana se pacifique na ordem e, com inteligência e coração concordes, cante o hino da esperança e do amor: "Bom Pastor, pão verdadeiro - ó Jesus, compadece-te de nós - apascenta-nos, guarda-nos, - faze-nos contemplar a felicidade na terra dos vivos".(131)

Prefácio de Bento XVI ao catecismo para jovens Youcat

SUBSÍDIO
AO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
DESTINADO AOS JOVENS NA PERSPECTIVA
DA JMJ 2011 EM MADRID
[16-21 DE AGOSTO]

Queridos jovens amigos!

Hoje aconselho-vos a leitura de um livro extraordinário.

É extraordinário pelo seu conteúdo mas também pelo modo em que se formou, que desejo explicar-vos brevemente, para que se possa compreender a sua particularidade. Youcat teve origem, por assim dizer, de outra obra que remonta aos anos 80. Era um período difícil para a Igreja e para a sociedade mundial, durante o qual surgiu a necessidade de novas orientações para encontrar o caminho rumo ao futuro. Após o Concílio Vaticano II (1962-1965) e no mudado clima cultural, muitas pessoas já não sabiam correctamente no que os cristãos deveriam acreditar exactamente, o que a Igreja ensinava, se ela podia ensinar algo tout court e como tudo isto podia adaptar-se ao novo clima cultural.

O Cristianismo como tal não está superado? Pode-se ainda hoje racionalmente ser crente? Estas são as questões que muitos cristãos se formulam até nos nossos dias. O Papa João Paulo II optou então por uma decisão audaz: deliberou que os bispos do mundo inteiro escrevessem um livro com o qual responder a estas perguntas.

Ele confiou-me a tarefa de coordenar o trabalho dos bispos e de vigiar a fim de que das suas contribuições nascesse um livro — quero dizer, um livro verdadeiro e não uma simples justaposição de uma multiplicidade de textos. Este livro devia ter o título tradicional de Catecismo da Igreja Católica e todavia ser algo absolutamente estimulante e novo; devia mostrar no que a Igreja Católica crê hoje e de que maneira se pode acreditar de modo racional. Assustei-me com esta tarefa e devo confessar que duvidei que algo semelhante pudesse ter bom êxito. Como podia acontecer que autores espalhados pelo mundo pudessem produzir um livro legível?

Como podiam homens que vivem em continentes diversos, e não só sob o ponto de vista geográfico, mas inclusive intelectual e cultural, produzir um texto dotado de uma unidade interna e compreensível em todos os continentes?

A isto acrescentava-se o facto de que os bispos deviam escrever não simplesmente como autores individuais, mas em representação dos seus irmãos e das suas Igrejas locais.

Devo confessar que até hoje me parece um milagre o facto de que este projecto no final se realizou.

Encontrámo-nos três ou quatro vezes por ano por uma semana e debatemos apaixonadamente sobre cada parte do texto, na medida em que se desenvolvia.

Como primeira atitude definimos a estrutura do livro: devia ser simples, para que cada grupo de autores pudesse receber uma tarefa clara e não forçar as suas afirmações num sistema complicado. É a mesma estrutura deste livro; ela é tirada simplesmente de uma experiência catequética de um século: o que cremos / de que modo celebramos os mistérios cristãos / de que maneira temos a vida em Cristo / de que forma devemos rezar. Não quero explicar aqui o modo como debatemos sobre a grande quantidade de questões, até chegar a compor um livro verdadeiro. Numa obra deste género são muitos os pontos discutíveis: tudo o que os homens fazem é insuficiente e pode ser melhorado, e não obstante, trata-se de um grande livro, um sinal de unidade na diversidade. A partir das muitas vozes pôde-se formar um coro porque tínhamos a comum partitura da fé, que a Igreja nos transmitiu desde os apostólos, através dos séculos até hoje.

Por que tudo isto?

Desde a redacção do CIC, tivemos que constatar que não só os continentes e as culturas das suas populações são diferentes, mas também no âmbito de cada sociedade existem diversos «continentes»: o trabalhador tem uma mentalidade diferente do camponês; um físico de um filólogo; um empresário de um jornalista, um jovem de um idoso. Por este motivo, na linguagem e no pensamento, tivemos que nos colocar acima de todas estas diferenças e, por assim dizer, buscar um espaço comum entre os diferentes universos mentais; com isto tornamo-nos cada vez mais conscientes do modo como o texto exigia algumas «traduções» nos diversos mundos, para poder alcançar as pessoas com as suas mentalidades diferentes e várias problemáticas. Desde então, nas Jornadas Mundiais da Juventude (Roma, Toronto, Colónia, Sydney) reuniram-se jovens de todo o mundo que querem acreditar, que estão em busca de Deus, que amam Cristo e desejam caminhos comuns. Neste contexto perguntámo-nos se não deveríamos traduzir o Catecismo da Igreja Católica na língua dos jovens e fazer penetrar as suas palavras no seu mundo. Naturalmente, também entre os jovens de hoje existem muitas diferenças; assim, sob a comprovada guia do arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, formou-se um Youcat para os jovens. Espero que muitos se deixem cativar por este livro.

Algumas pessoas dizem-me que o catecismo não interessa à juventude moderna; mas não acredito nesta afirmação e estou certo de que tenho razão. A juventude não é tão superficial como é acusada de o ser; os jovens querem saber deveras no que consiste a vida. Um romance policial é empolgante porque nos envolve no destino de outras pessoas, mas que poderia ser também o nosso; este livro é cativante porque nos fala do nosso próprio destino e portanto refere-se de perto a cada um de nós.

Por isso, exorto-vos: estudai o catecismo! Estes são os meus votos de coração.

Este subsídio ao catecismo não vos adula; não oferece fáceis soluções; exige uma nova vida da vossa parte; apresenta-vos a mensagem do Evangelho como a «pérola de grande valor» (Mt 13, 45) pela qual é preciso dar tudo. Portanto, peço-vos: estudai o catecismo com paixão e perseverança! Sacrificai o vosso tempo por ele! Estudai-o no silêncio do vosso quarto, lede-o em dois, se sois amigos, formai grupos e redes de estudo, trocai ideias na internet. Permanecei de qualquer modo em diálogo sobre a vossa fé!

Deveis conhecer aquilo em que credes; deveis conhecer a vossa fé com a mesma exactidão com a qual um perito de informática conhece o sistema operativo de um computador; deveis conhecê-la como um músico conhece a sua peça; sim, deveis ser muito mais profundamente radicados na fé do que a geração dos vossos pais, para poder resistir com força e decisão aos desafios e às tentações deste tempo. Tendes necessidade da ajuda divina, se a vossa fé não quiser esgotar-se como uma gota de orvalho ao sol, se não quiserdes ceder às tentações do consumismo, se não quiserdes que o vosso amor afogue na pornografia, se não quiserdes trair os débeis e as vítimas de abusos e violência.

Se vos dedicardes com paixão ao estudo do catecismo, gostaria de vos dar ainda um último conselho: sabei todos de que modo a comunidade dos fiéis recentemente foi ferida por ataques do mal, pela penetração do pecado no seu interior, aliás, no coração da Igreja. Não tomeis isto como pretexto para fugir da presença de Deus; vós próprios sois o corpo de Cristo, a Igreja! Levai o fogo intacto do vosso amor a esta Igreja todas as vezes que os homens obscurecerem o seu rosto. «Sede diligentes, sem fraqueza, fervorosos de espírito, dedicados ao serviço do Senhor» (Rm 12, 11).

Quando Israel se encontrava no ponto mais obscuro da sua história, Deus chamou em seu socorro não os grandes e as pessoas estimadas, mas um jovem de nome Jeremias; ele sentiu-se chamado a uma missão demasiado grande: «Ah! Senhor Javé, não sou um orador, porque sou ainda muito novo!» (Jr 1, 6). Mas Deus replicou: «Não digas: sou ainda muito novo — porquanto irás aonde Eu te enviar, e dirás o que Eu te mandar» (Jr 1, 7).

Abençoo-vos e rezo cada dia por todos vós.

BENTO PP. XVI


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Os dedos teclam o que está no coração



Por: Daniel Machado
Recentemente, um artigo publicado na edição on-line da revista Science tentou responder quantas informações há dando voltas ao mundo. O número é algo impressionante: 295 exabyte, ou seja, “315 vezes todos os grãos de areia da face da terra”, segundo os cálculos de uma agência de notícias.

Um outro dado interessante é que quase todas essas informações são frutos da era digital e estão armazenadas em servidores ou na nossa troca de informações por intermédio de aparelhos tecnológicos, como celulares, GPS's e televisores.

Duas perguntas me vieram ao pensamento: “Como contaram os grãos de areia da face da terra?” e “Para onde caminha a humanidade com tantas palavras?”.

De fato, estamos na era da informação, sendo plasmados pela cultura “high-tech”, pelo sistema “very fast” (muito rápido). Comemos rápido, andamos apressados, trabalhamos de modo ligeiro, convivemos pouco, vivemos estressados – sinta-se livre para colocar mais sinônimos.

Mas, talvez, o perigo maior não esteja na quantidade ou na velocidade da informação em si, mas na seleção das verdadeiras palavras, no discernimento do que estou recebendo, porque o receptor de todos esses “bytes” é o homem.

Em nossa cultura digital, nem tudo o que transborda é verdadeiramente uma palavra que preencha o coração do homem. Uma prova disso é que temos 5 mil "amigos" ou seguidores nos nossos perfis de redes sociais e quando deitamos a cabeça no travesseiro parece que a solidão também faz parte do nosso grupo de "followers" (seguidores). Talvez, se fizessem uma pesquisa, constatassem que o aumento de palavras (informações) no mundo também é proporcional ao aumento do vazio interior do homem, pois “[O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1, 9-11)

Sim, estamos sedentos de ouvir Deus falar. No fundo do coração e de sua consciência, o ser humano quer Deus e O procura; mas “como invocarão aquele em quem não têm fé? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão falar, se não houver quem pregue?” (Rom 10, 14).

Eis aqui o desafio que nos é proposto por Bento XVI: mostrar o Rosto de Cristo nesta cultura digital. Teclar o que está contido num coração conquistado por Jesus, mostrar que o pedido da humanidade ainda está contido na prece que fazemos em cada Eucaristia: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e eu serei salvo”.

Em meio a "exabytes" de vozes, guardemos "A Palavra" e fiquemos com Jesus Cristo, para que o mundo seja salvo. Basta o Verbo, o Filho de Deus, revelado a nós e transbordado por nosso intermédio para que, também, essa cultura “high-tech” sinta o suave “perfume de Cristo” (cf. II Cor 2, 15).

Esta é a profecia que devemos levar ao mundo digital, pois, se a boca fala do que está cheio o coração, os dedos teclam o que também está nele.

“Tudo isso para que procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade ele não está longe de cada um de nós” (Atos 17, 27)

Convido você para atender o apelo de Bento XVI no mundo digital. Vamos fazer uma "Revolução Jesus" na internet e ecoar a Palavra de Deus que diz "Desperta, tu que dormes! Levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará" (Ef 5, 14).

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Esclarecimentos sobre alguns pontos da RCC à CNBB


Em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sou o Assistente Espiritual do Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica, um dos mais significativos Movimentos Eclesiais existentes em nosso tempo. Algumas interrogações me foram feitas por Dom Rafael Llano Cifuentes, Bispo de Nova Friburgo-RJ, proporcionando-me levar ao Conselho Permanente da CNBB alguns esclarecimentos, que podem servir a tantos irmãos e irmãos da RCC ou que desejam conhecê-la mais de perto. Eis o texto escrito que apresentei à 58ª Reunião do Conselho Permanente da CNBB:

Esclarecimentos sobre alguns pontos da RCC

Foi-me pedido para fazer uma breve comunicação a respeito de alguns pontos sobre a Renovação Carismática Católica. Escolhi dois caminhos, sendo o primeiro uma consulta feita aos coordenadores nacionais da RCC, aos quais encaminhei as perguntas feitas, com respostas que me foram apresentadas por Reinaldo Beserra, do Escritório Nacional da RCC e membro do Conselho Internacional da RCC – (ICCRS). Tais respostas correspondem e são plenamente assumidas por mim, por corresponderem ao que penso e às orientações que costumo oferecer à RCC. Em seguida, desejo apresentar algumas propostas.

I – Esclarecimentos solicitados pelo CONSEP, a pedido de Dom Rafael:

1. "Benefícios" da oração em línguas: Os carismas, sejam extraordinários ou humildes, são graças do Espírito Santo que têm, direta ou indiretamente, uma utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo. Carismas são "manifestações do Espírito para proveito comum". São dons úteis, instrumentos de ação, para servir à comunidade.

Conceituação:

a) "É um dom de oração cujo valor, enquanto 'linguagem de louvor', não depende do fato de que um lingüista possa ou não identificá-lo como linguagem no sentido corrente do termo". É uma linguagem a-conceitual, que se "assemelha" às línguas conceituais. Não supõe absolutamente um estado de "transe" para praticá-la, não corresponde a um estado "extático", e nem a uma exagerada emoção, permanecendo aquele que a pratica no total domínio de si mesmo e de suas emoções, pois o Espírito Santo jamais se apossa de alguém de modo a anular-lhe a personalidade.

b) É um dom que leva os fiéis a glorificar a Deus em uma linguagem não convencional, inspirada pelo Espírito Santo. É uma forma de louvar a Deus e uma real maneira de se falar e se entreter com Ele. Quando o homem está de tal maneira repleto do amor de Deus que a própria língua e as demais formas comuns de se expressar se revelam como que insuficientes, dá plena liberdade à inspiração do Espírito, de modo a "falar uma língua" que só Deus entende.

2. O "falar em línguas", consignado nas Escrituras comporta três modalidades:

a) a oração em línguas, de caráter usualmente particular, pessoal, e que portanto não requer interpretação. Embora de caráter pessoal, ela pode ser exercitada também de modo coletivo, o que acontece nas assembléias onde todos exercem o "dom particular de orar em línguas", ao mesmo tempo; obviamente, não supõe interpretação. No entanto, Deus – que ouve a oração que milhares de fiéis lhe dirigem concomitantemente de todos os cantos da Terra – por certo entende. Vale a intenção que está em nosso coração.

b) Essa oração também pode ser expressa em modalidade de canto, uma oração com uma melodia que não foi pré-estabelecida. Também essa modalidade não requer interpretação. A diferença em relação à modalidade anterior, é que aqui se trata de orar em línguas, mas num ritmo não falado, de expressão e cadência musical, de notas que se sucedem improvisadamente, numa modulação lírica com que se celebra as maravilhas de Deus. São cânticos que brotam geralmente nos momentos de louvor e adoração da assembléia, do grupo de oração, e que pouco tem em comum com os cânticos eclesiásticos tradicionais, ou também com os cantos de "composição artística". Santo Agostinho, comentando as palavras do Salmo "Cantai ao Senhor um Cântico novo", adverte que o cântico novo não é coisa "de homens velhos". "Aprendem-no os homens novos, renovados da velhice por meio da graça, pertencentes ao Novo Testamento, que já é o Reino dos Céus. Por ele manifestamos todo o nosso amor e lhe cantamos um canto novo. Quando podes oferecer-lhe tamanha competência que não desagrade a ouvidos tão apurados?... Não busques palavras, como se pudesses dar forma a um canto que agrade a Deus. Canta com júbilo! Que significa cantar com júbilo? Entender sem poder explicar com palavras o que se canta com o coração. Se não podes dizer com tuas palavras, tampouco podes calar-te. Então, resta-te cantar com júbilo, se modo que te entregues a uma alegria sem palavras e a alegria se dilate no júbilo" .

c) Uma terceira modalidade do dom das línguas é aquela de uso essencialmente público, que quando é acompanhado do seu complemento, o dom da interpretação, tem como seu propósito a edificação dos fiéis e a convicção dos descrentes. Aqui o falar em línguas não assume o caráter de oração, mas de uma mensagem em línguas, dirigida à assembléia e não a Deus, como é o caso da oração, e que portanto requer o exercício do outro dom apontado por Paulo, o dom da interpretação. O Espírito dá a alguém a inspiração de "falar em línguas" em alta voz. Suas palavras contém uma mensagem espiritual para um ou mais ouvintes. A mensagem permanece incompreensível, enquanto não for interpretada. A mensagem interpretada assume, regularmente, as características de uma profecia carismática, que, segundo S. Paulo, edifica, exorta e consola a assembléia. Autores há que, em vista de maior clareza, dão outro nome a esta forma de falar em línguas. Chamam-na de "mensagem em línguas", ou ainda de "profecia em línguas". Em oposição ao "falar em línguas" durante a oração, este dom não está livremente à disposição da pessoa. Exige-se uma inspiração peculiar. Muitas vezes, ela está acompanhada de outra inspiração, a saber, num dos ouvintes que então "interpreta" a mensagem e a traduz em linguagem comum, para a comunidade. O dom de "falar mensagem em línguas" é um dom transitório manifestado vez ou outra nas reuniões de oração; e o Senhor pode servir-se ora deste, ora daquele, enquanto que o dom da interpretação geralmente é considerado permanente; é dom que pode ser pedido na oração.

3. Quando se deve orar em línguas? Só em atos próprios da RCC? Na TV para todos? Pode ser utilizada durante a Santa Missa, como parece ter acontecido na Oração dos fiéis nas missas de TV?

a) Sendo um dom do Espírito e um dom de oração, ele deveria ser permitido onde sempre é permitido orar. Nos atos próprios da RCC, o Documento 53, n. 25 da CNBB, já o levou em consideração.

b) Se a TV está transmitindo um ato próprio da RCC, não é possível "encenar" um comportamento que anule a identidade do Movimento. O exercício do carisma de orar em línguas é parte constitutiva da RCC. De nossa parte – os "carismáticos" – não temos de que nos envergonhar dessa prática, e nem temos nada a esconder. Somos assim. nossos Grupos de Oração estão sempre com as portas abertas, e qualquer um pode conferir lá o que somos e o que praticamos.

c) Na Santa Missa: Se são missas celebradas em atos específicos da RCC, parece-nos que sim, desde que se exercite essa oração nos momentos ditados pelo bom senso e pela orientação do celebrante, de modo respeitoso, profundamente oracional, não exibitório, especialmente como glorificação a Deus, como expressão de contrição, como petição, e como ação de graças.

d) A RCC tem clara consciência de que a Igreja, durante muito tempo, não se abriu à essa forma de se exercitar os carismas. Por isso ela sabe que, esse reavivamento de perfil pentecostal que se colocou em marcha no último século – especialmente a partir de Helena Guerra, que motivou Leão XIII a escrever uma Encíclica sobre o Espírito Santo, passando por João XXIII, que pediu um novo Pentecostes para a Igreja e a "renovação dos sinais e prodígios da aurora da Igreja", bem como pelo Concílio Vaticano II, onde Deus, providencialmente, lançou as bases e os fundamentos que tornaram possível o surgimento e a fundamentação do Movimento Pentecostal Católico, até João Paulo II, com sua Dominum et Vivificantem, e a inspirada exortação pronunciada na celebração de Pentecostes de 29 de maio de 2004, que dizia: "Desejo que a espiritualidade de Pentecostes se difunda na Igreja como um impulso renovado de oração, santidade, comunhão e anúncio. [...] Abram-se com docilidade aos dons do Espírito Santo! Recebam com gratidão e obediência os carismas que o Espírito não cessa de oferecer!" – precisa ser acolhido com abertura de espírito e destemor, mas também com bom senso, com humildade, com respeito pelas diferentes opções de engajamento na pastoral orgânica da Igreja, em absoluta adesão à doutrina da Igreja Católica, não escandalizando por falta de decoro litúrgico ou religioso, dentro da ordem, mas também não deixando de ser fiel à vocação que Deus nos faz, de, nesses tempos, contribuir para "revelar à Igreja aquilo que já lhe é próprio: sua dimensão carismática".

e) No rito do Sacramento da Crisma, ao final da Oração dos fiéis, o Bispo reza: "Ó Deus, que destes o Espírito Santo a vossos apóstolos e quisestes que eles e seus sucessores o transmitissem aos outros fiéis, ouvi com bondade a nossa oração e derramai nos corações de vossos filhos e filhas os dons que distribuístes outrora no início da pregação apostólica".

f) É de se esperar que, recebendo tais dons, possamos exercitá-los, pois "da aceitação desses carismas, mesmo dos mais simples, nasce em favor de cada um dos fiéis o direito e o dever de exercê-los para o bem dos homens e a edificação da Igreja e do mundo, na liberdade do Espírito Santo, que 'sopra onde quer' e ao mesmo tempo na comunhão com os irmãos em Cristo, sobretudo com seus pastores, a quem cabe julgar sobre a autenticidade e o uso dos carismas dentro da ordem, não por certo para extinguirem o Espírito, mas para provarem tudo e reterem o que é bom".

g) "Na lógica da originária doação donde derivam, os dons do Espírito Santo exigem que todos aqueles que os receberam os exerçam para o crescimento de toda a Igreja, como no-lo recorda o Concílio".

4 – Repouso no Espírito: O Documento 53, no número 65, aborda o tema e diz a respeito: "Em Assembléia, grupos de oração, retiros e outros reuniões evite-se a prática do assim chamado 'repouso no Espírito'. Essa prática exige maior aprofundamento, estudo e discernimento".

a) O Cardeal Suenens, que escreveu muito sobre a RCC e a apoiou, foi muito cauteloso em relação à prática do repouso no Espírito, recomendando reserva.

b) Pe. Robert De Grandis foi quem muito a divulgou aqui pelo Brasil e tem um livro sobre o assunto.

c) Pe. Antonello, da Arquidiocese de S. Paulo, pratica-o com bastante freqüência e também escreveu sobre o assunto.

d) Não há fundamentação bíblica consistente sobre ele, embora sua prática remonte aos grupos qualificados de entusiastas, especialmente nos grupos de reavivamento nos Estados Unidos entre os séculos XVII e XIX.

e) "O Espírito Santo, ao confiar à Igreja-Comunhão os diversos ministérios, enriquece-a com outros dons especiais, chamados carismas. Podem assumir as mais variadas formas, tanto como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os distribui, como em resposta às múltiplas exigências da história da Igreja" . Em muitas ocasiões – especialmente quando praticado em atendimentos pessoais, em clima de oração –, de modo especial em atendimentos de oração por cura interior, essas manifestações se revelam perceptivelmente legítimas, sem componentes de perfil patológico, gerando em quem a experimenta profunda paz e bem estar, com conseqüente reavivamento ou novo compromisso, com os compromissos relativos à fé. Pe. Isaac Isaias Valle, por exemplo, de Porto Feliz, na Arquidiocese de Sorocaba, sacerdote muito estudioso e preparado doutrinariamente, atende as pessoas utilizando-se dessa prática.

f) Em muitas ocasiões – especialmente em grandes encontros – há um visível descontrole emocional da parte de muitos nos quais se manifesta tal fenômeno, chegando-se mesmo a identificáveis casos de histeria, seja por desequilíbrio de cunho psicológico. Como diz João Paulo II, "na verdade, a ação do Espírito Santo, que sopra onde quer, nem sempre é fácil de se descobrir e de se aceitar. Sabemos que Deus atua em todos os fiéis cristãos e estamos conscientes dos benefícios que provém dos carismas, tanto para os indivíduos como para toda a comunidade cristã. Todavia, também temos consciência da força do pecado e as confusões na vida dos fiéis e da comunidade."

g) Assim, não é oportuno incentivar tal prática. Mas há vezes em que, sem que ninguém estimule, ocorre tal manifestação. Então, surge a oportunidade para cumprir o que determina o Documento 53, buscando aprofundar o entendimento sobre a matéria, pela observação com um estudo do caso, até perguntando à pessoa como é que ela está se sentindo, se aquilo lhe gerou paz, se o seu é um histórico sem comprometimentos outros, etc, para chegar a um discernimento sobre as características que possam nos ajudar a identificar a legitimidade do repouso.

5 – Sobre as inspirações particulares: Em geral a liderança da RCC tem tido bastante bom senso no exercício dessas chamadas inspirações, ou moções. Junto com os dons da Palavra de Ciência e a Palavra de Sabedoria, a RCC se esmera em fazer uso do Dom do Discernimento Carismático. Podem ocorrer exageros e afoitas condutas? Claro que sim. Mas a realidade dos fatos logo "traz para a terra" aqueles espíritos mais atabalhoados, e que agem por impulsos meramente humanos, e de maneira até irresponsável. Na observância dos resultados práticos e dos frutos produzidos por tais inspirações é que a RCC busca aprender a deixar-se conduzir pelo Espírito, que – segundo a Apostolicam Actuositatem – distribui também aos leigos dons e carismas para capacitá-los a anunciar o Reino, com poder. É possível encontrar-se falsas moedas. Mas não vamos, com elas, jogar fora as legítimas, as verdadeiras. Em 2003, o Pontifício Conselho para os Leigos convidou a RCC a dar sua contribuição no Colóquio Internacional sobre a Oração para pedir de Deus a cura, realizado em Roma, sob os auspícios daquele Conselho, reconhecendo nela essa prudência.

II – Propostas:

a) Ao acompanhar a RCC, percebo que existe seriedade, busca de maior conhecimento teológico em suas lideranças e docilidade. Sugiro que a Comissão Episcopal de Doutrina promova um estudo sobre os Carismas e as práticas da RCC, com seus representantes. Pode até surgir uma nova e mais atualizada orientação pastoral.

b) Sugiro que os senhores bispos verifiquem em suas Dioceses os eventuais problemas, proporcionando uma orientação segura, através de um assistente diocesano que possa acompanhar de perto.

c) Nos Congressos Estaduais da RCC, seria muito oportuno que o Bispo do local em que o mesmo se realiza se fizesse presente com a apresentação de um tema de formação. Penso que "adotando a criança", poderemos orientar melhor e os membros da RCC não se sentirão marginalizados, mas membros vivos das Igrejas particulares.

Dom Alberto Taveira

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A importância de entronizar a cruz de Cristo em sua casa

Por: Prof. Felipe Aquino

A cruz é o sinal dos cristãos e sinal do Deus vivo. "Não danifiqueis a terra nem o mar, nem as árvores, até que tenhamos assinalado os servos de nosso Deus em suas frontes" (Ap 7,3).

Esse sinal, o profeta Ezequiel já anunciava como sendo a cruz, o Tau. Quando Jerusalém mereceu o devido castigo pela idolatria cometida, esse profeta anunciou que Deus assinalou com a cruz os inocentes para protegê-los. "Percorre a cidade, o centro de Jerusalém, e marca com uma cruz na fronte os que gemem e suspiram devido a tantas abominações que na cidade se cometem" (Ez 9,5).

Desde que Jesus libertou a humanidade da morte, do pecado e das garras do demônio, a cruz salvífica passou a ser o símbolo da salvação. A festa em honra da santa cruz foi celebrada pela primeira vez em 13 de dezembro do ano 335, por ocasião da dedicação de duas basílicas de Constantino, em Jerusalém: do "Martyrium" ou "Ad Crucem" sobre o Gólgota; e a do "Anástasis", isto é, da Ressurreição.

Santa Helena, a mãe do imperador [Constantino], foi buscar a cruz de Cristo em Jerusalém. A partir do século VII, comemora-se a recuperação da preciosa relíquia por parte do imperador bizantino Heráclio em 628; pois a cruz de Cristo foi roubada 14 anos antes pelo rei persa Cosroe Parviz, durante a conquista da cidade Santa de Jerusalém.

Nesses dois mil anos, a cruz passou a ser o símbolo da vitória do bem sobre o mal, da justiça contra a injustiça, da liberdade contra a opressão, do amor contra o egoísmo, porque, no seu lenho, o Cristo pagou à Justiça Divina o preço infinito do resgate de toda a humanidade.


Em todas as épocas a santa cruz foi exaltada. O escritor cristão Tertuliano († 200) atesta: "Quando nos pomos a caminhar, quando saímos e entramos, quando nos vestimos, quando nos lavamos, quando iniciamos as refeições, quando vamos deitar, quando nos sentamos; nessas ocasiões e em todas as nossas demais atividades, persignamo-nos a testa com o sinal da cruz" (De corona militis 3).

São Hipólito de Roma (†235), descrevendo as práticas dos cristãos do século III, dizia: "Marcai com respeito as vossas cabeças com o sinal da Cruz. Este sinal da Paixão opõe-se ao diabo e nos protege dele se é feito com fé; não por ostentação, mas em virtude da convicção de que é um escudo protetor. É um sinal como outrora foi o Cordeiro verdadeiro; ao fazer o sinal da cruz na fonte e sobre os olhos, rechaçamos aquele que nos espreita para nos condenar” (Tradição dos Apóstolos 42).

Muitas pessoas importantes se valiam do sinal da Cruz em momentos de perigo, de decisão e na iminência da morte, como forma de alcançar a serenidade necessária em momentos cruciais. Os primeiros cristãos faziam o Sinal da Cruz a cada instante. Assim afirma São Basílio Magno (†369), doutor da Igreja: "Para os que põem sua esperança em Jesus Cristo, fazer o Sinal da Cruz é a primeira e mais conhecida coisa que entre nós se pratica". Santa Tecla, do primeiro século, ilustre por nascimento, foi agarrada pelos algozes e conduzida à fogueira; fez o Sinal da Cruz, entrou nela a passo firme e ficou tranqüila no meio das chamas. Logo uma torrente de água desabou e o fogo apagou. E a jovem heroína saiu da fogueira sem ter queimado um só fio de cabelo. Os santos não deixavam o Crucifixo; em muitas de suas imagens os vemos segurando o crucificado, porque no Cristo crucificado colocavam toda a sua segurança e esperança.

Em 1571, Dom João D'Áustria, antes de dar o sinal de ataque na Batalha de Lepanto, em que se decidia o futuro da cristandade diante dos turcos otomanos agressores, fez um grande e lento sinal da cruz repetido por todos os seus capitães e a vitória logo aconteceu. Por estes e outros exemplos, vemos quão poderosa oração é o sinal da cruz. De quantas graças nos enriquece esse sinal, e de quantos perigos preserva nossa frágil existência.

A cruz de Cristo vence o pecado. À vista d'Ele desaparece todo o pecado. Santa Joana d'Arc morreu na fogueira de Rouen, em 1431, injustamente, segurando um crucifixo, olhando-o e repetindo: "Jesus, Jesus, Jesus...".

Quando Dom Bosco se cansava das artes dos seus meninos e parecia querer desistir da missão, sua boa mãe, Margarida, apenas lhe mostrava o Cristo Crucificado e ele retomava sua luta em prol da juventude desvalida.

Mais do que nunca hoje, quando tantos perigos materiais e espirituais ameaçam a família, atacada de todos os lados pela imoralidade que campeia entre nós, é fundamental que as famílias cristãs entronizem a cruz de Cristo em seus lares, de maneira solene. Ela defenderá nossos filhos de tanta imoralidade.


Desta cruz nasceram os Sacramentos da Igreja, que nos salvam. Desta cruz sairá a força de que pais e mães precisam para educar os filhos na verdadeira fé do Cristo e da Igreja. Olhando a cada momento para o Cristo tão cruelmente crucificado, flagelado, coroado de espinhos, teremos força para vencer as lutas de cada dia.

Diante da cruz de Cristo o demônio não tem poder, porque ele foi nela vencido, acorrentado como um cão, como dizia Santo Agostinho. O exorcista, acima de tudo, empunha o crucifixo. Mais do que nunca hoje, quando as forças do mal querem arrancar o crucifixo de nossas ruas e praças, precisamos colocá-lo em nossas casas, também como prova de nossa fé.

A sua casa precisa ser protegida pela santa cruz de Nosso Senhor Jesus Crist
o!